Reportagem do site da CNN informa que a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou o “Dia da Cegonha Reborn” no calendário oficial; a proposta aprovada pelos vereadores prevê que a data seja comemorada anualmente no dia 04 de setembro. A justificativa do nobre vereador, autor desse projeto esdrúxulo — para não dizer outra coisa —, é que: “O nascimento de um bebê é um momento singular na vida de uma mulher, e não é diferente para as mamães reborn. Porém, seus filhos são enviados por cegonhas — sendo esse o nome conferido às artesãs que customizam bonecas para se parecerem com bebês reais.” (Fonte: https:// www.cnnbrasil.com.br/politica/camara-municipal-do-rj-aprova-dia-da-cegonha-reborn-no-calendario-oficial/)
Mas, no dia 02 de junho, o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, vetou a criação do Dia da Cegonha Reborn. E fez a seguinte postagem na mídia social: “Com todo respeito, mas não dá”. Um pouco de bom senso não faz mal a ninguém — especialmente àqueles que possuem a grande responsabilidade de legislar e governar uma cidade como a do Rio de Janeiro.
No entanto, a simples divulgação da notícia sobre os bebês reborn gerou uma enxurrada de comentários, tornando-se febre nas redes sociais. Por exemplo, uma matéria publicada no site G1 afirma: “É #FATO: Mãe de bebê reborn recorre à Justiça após ter licença-maternidade negada na Bahia.” (Fonte: https://g1.globo.com/ fato-ou-fake/noticia/2025/06/02/e- -fato-mae-de-bebe-reborn-recorre- -a-justica-apos-ter-licenca-maternidade-negada-na-bahia.ghtml)
Um fato curioso é que os bebês reborn não são baratos. Alguns, de tão bem elaborados que são, chegam a custar mais de 9 mil reais. Quem poderia imaginar que uma simples brincadeira de criança — como brincar de boneca — tomaria um rumo tão inesperado em nossos dias? Será que estamos diante de um simples modismo ou trata-se de algo mais sério, como um novo sintoma de adoecimento mental contemporâneo?
Segundo o psicanalista e pediatra inglês Donald W. Winnicott (1896– 1971), o ato de brincar é essencial para o desenvolvimento infantil. Brincando, a criança elabora sua realidade interna. Mas e quando o que deveria ser uma brincadeira de criança se transforma em uma “brincadeira séria” de gente grande, de adultos?
Alguns psicólogos afirmam que o bebê reborn pode ser um recurso terapêutico útil para lidar com perdas e a solidão. Estaríamos, então, diante de uma nova técnica no cuidado psicológico, aplicando aos adultos os métodos lúdicos utilizados no tratamento psicológico das crianças?
Agarrar-se a um objeto representativo seria uma forma legítima de elaborar emoções ou apenas uma fuga da realidade?
Será que a febre do bebê reborn entre adultos pode ser vista como uma forma de alienação do sofrimento psíquico por meio da ilusão?
Seria o bebê reborn um novo tipo de analgésico emocional, que, se por um lado alivia o sofrimento psíquico por meio de um objeto substitutivo, por outro lado deixa a ferida emocional aberta?
Se este for o caso, o bebê reborn, antes de ser apenas uma obra de arte, não seria também um modo totalmente indevido de lucrar com o sofrimento alheio?
Enfim, são muitas questões sobre as quais precisamos refletir à luz desse novo fenômeno social.
Mas, uma coisa é certa. Não é correto afirmar que mulheres adultas que gostam de bonecas do tipo bebê reborn sofrem de algum transtorno psicológico. Segundo o psicólogo Marcelo Santos, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o primeiro passo para tratar do tema é evitar julgamentos e diagnósticos precipitados. Ele diz: “Não dá para ‘patologizar’ automaticamente. É importante analisar quais são os contextos e as motivações que estão por trás desses comportamentos.” (Fonte: https://noticias.uol.com. br/ultimas-noticias/agencia-estado/2025/05/15/a-moda-do-bebe-reborn-hobby-ou-problema-de-saude- -como-diferenciar.htm)
Mas, não podemos ignorar o fato de que a forma como algumas mulheres se relacionam com esses bonecos — que, sem dúvida, são verdadeiras obras de arte — pode apresentar traços de um certo adoecimento psíquico. É nesse sentido que digo que o que era para ser uma brincadeira de criança, está se tornando algo sério entre os adultos.
Mas essa questão é mais séria do que podemos imaginar. Pelo o que já li está crescendo também a fabricação dos “adultos reborns”, com características bem realistas. E ao comprar um “adulto reborn”, o cliente poderá escolher características bem específicas, como: detalhes do rosto, do corpo e até das partes íntimas – a principal finalidade desse boneco adulto, que pode custar mais de 50 mil, é oferecer satisfação sexual.
Se minha avó ainda estivesse viva, provavelmente exclamaria: “Isso é coisa do demônio. Jesus está voltando!”. Mas, gostemos ou não, essa é a realidade de um mundo em constante mutação — um mundo que subverte costumes, reinventa práticas e inaugura novas formas de relacionamento marcadas pela virtualidade e pela impessoalidade. Nesse cenário, surgem também novas expressões de sofrimento psíquico, que refletem o mal-estar de uma era acelerada, impessoal e desconectada de vínculos reais.
À primeira vista, o bebê reborn, pode parecer apenas uma evolução sofisticada da boneca tradicional — um brinquedo hiper-realista que encanta pelo detalhamento. No entanto, o uso que vem sendo feito por algumas mulheres adultas revela algo mais profundo: uma tentativa simbólica de preencher ausências, reelaborar traumas ou exercer formas de afeto que a vida real não permitiu.
Nesse sentido, o bebê reborn deixa de ser apenas um objeto lúdico e passa a representar uma válvula de escape emocional. Uma brincadeira de criança que está se tornando muito séria.
Tanto o bebê como o adulto reborn apontam para uma sociedade que, ao mesmo tempo em que oferece alternativas para o cuidado da saúde mental, denuncia o esgarçamento dos vínculos afetivos, a solidão humana e a dificuldade crescente de elaborar a dor psíquica, recorrendo à fantasia ou à simulação.
O fenômeno do bebê reborn nos convida a uma reflexão que vai além da curiosidade estética ou do julgamento moral. Ele é um sintoma. Um retrato delicado de um tempo em que o afeto precisa ser manufaturado e em que o cuidado das questões emocionais e psíquicas tende a ser resolvido de modo isolado, silencioso, previsível e controlável como, por exemplo, com os bonecos de silicone.