Cutting, ou automutilação, é a prática de provocar pequenos cortes em algumas regiões do corpo — em geral nos braços — como forma de causar uma dor física com o objetivo de anestesiar um sofrimento psíquico, uma dor emocional, a dor da alma, a dor de existir. Outras formas de automutilação incluem: provocar queimaduras com ponta de cigarro, espetar objetos pontiagudos no corpo, bater em si mesmo, esfregar excessivamente uma parte do corpo ou até impedir a cicatrização de feridas.
A automutilação é mais comum entre adolescentes, especialmente entre meninas. Fica a pergunta que precisamos responder: o que está acontecendo com nossos adolescentes e jovens? Que forma estranha é essa de lidar com a dor da alma, a dor de existir, que muitos — especialmente adolescentes — estão encontrando?
A automutilação, enquanto uma forma disfuncional de alívio da dor psíquica, pode gerar um comportamento repetitivo e compulsivo, com sérios riscos à saúde. Por exemplo, o compartilhamento de lâminas cortantes pode causar infecções por hepatite, HIV e outras doenças. Além disso, existe o risco de suicídio por conta do rompimento de uma veia ou artéria por um corte mais profundo.
Adolescentes e jovens que se automutilam tendem a esconder os sinais da prática usando casacos e camisas de manga comprida, mesmo em dias de calor. Por isso, os pais devem estar atentos não apenas às roupas, mas também a comportamentos como o isolamento, que é uma das principais características de quem se automutila.
A automutilação está fortemente associada a sentimentos de angústia e ansiedade, provocados por estresse familiar, bullying, abuso sexual e outras situações traumáticas — ou percebidas como tais. Também pode estar relacionada à depressão. O artigo “Aumento de casos de ansiedade entre jovens abre espaço para desafios e iniciativas de prevenção”, publicado no Jornal da USP em 11/02/2025, informa:
“O aumento alarmante de casos de ansiedade entre crianças e adolescentes tem sido uma das principais preocupações nos últimos anos. Entre 2014 e 2024, o atendimento a crianças de 10 a 14 anos no Sistema Único de Saúde (SUS) aumentou quase 2.500% e, entre os jovens de 15 a 19 anos, o índice é ainda mais expressivo, alcançando 3.300%. Esse crescimento é um reflexo de uma série de fatores, incluindo o impacto da pandemia de covid-19 e o crescente uso de dispositivos eletrônicos.” (https://jornal.usp. br/atualidades/aumento-de-casos-de- -ansiedade-entre- jovens-abre-espaco-para-desafios-e-iniciativas-de- -prevencao/)
Diante desse quadro, é urgente dar mais atenção à saúde mental das nossas crianças, adolescentes e jovens, no contexto da igreja. Infelizmente, o discurso de muitas igrejas em relação aos adolescentes e jovens ainda carrega certo desprezo, como se fossem todos inconsequentes e irresponsáveis. Essa atitude, ao que parece, já existia na igreja primitiva. Prova disso é a exortação que Paulo fez para Timóteo, o seu filho na fé, dizendo: “Ninguém despreze a tua mocidade” (1Tm 4.12).
Como os pais devem agir ao descobrirem que seus filhos estão se automutilando? Primeiramente, devem evitar atitudes de repressão ou acusação. O que não significa ignorar o problema. É importante que o assunto seja abordado com acolhimento, respeito e empatia. Buscar ajuda profissional — de um psicólogo e, em casos específicos, de um psiquiatra — é fundamental. O CVV (Centro de Valorização da Vida), através do número 188, é um recurso disponível, em especial nos casos de risco de suicídio.
É muito importante que frente a automutilação do filho, os pais não assumam uma postura de culpa. A automutilação pode ser reflexo de um mal-estar familiar? Sim. Mas a culpabilização apenas agrava a situação. Casos os pais reconheçam que existe uma dificuldade emocional que estejam enfrentando é importante que busquem ajuda não somente para os filhos, mas também para si próprios.
A automutilação nos adolescentes é uma dor muita estranha de alguém que está sofrendo emocionalmente, mas que por vergonha ou por medo de ser castigado, julgado, incompreendido, fica em silêncio. A dor da alma se cura com escuta, amor e cuidado. A igreja, os pais e a sociedade precisam estar atentos aos gritos silenciosos dos nossos adolescentes e jovens. Eles não precisam de julgamento, mas de acolhimento. Precisamos exercer a compaixão, para que a dor possa ser confessada e curada pela graça que liberta e restaura (Tg 5:16).