Artigo

A educação cristã e a inclusão de pessoas com deficiência na igreja

“Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?” (Mateus 13.26a)

 

Com os estudos das teorias da aprendizagem desenvolvidas por médicos, neurologistas, psicólogos, psiquiatras, biólogos e teólogos, houve uma abertura para a inclusão de pessoas com necessidades especiais. Percebeu-se que muitas debilidades mentais não eram sanadas com tratamentos médicos habituais. Os profissionais da área da saúde, da Pedagogia e da Teologia se reuniram para analisar a inclusão dessas pessoas e verificaram que a sociabilidade, o convívio, a empatia e a solidariedade faziam diferença no cotidiano dos analisados. Abriu-se, então, um novo espaço para a superação das desigualdades: a Igreja.

 

No livro História da Pedagogia, de N. Abbagagno e A. Visalberghi, encontramos a definição desse novo conceito de solidariedade, empatia e amor, que a força do cristianismo proporciona a todos que haviam tido encontro com Cristo ou com seus seguidores.

 

“... a força especial do cristianismo estava nisso, em responder àquele anelo, não só convidando a novos ritos misteriosos capazes de assegurar a sobrevivência e a salvação da alma individual quase por magia, como fazendo apelo aos sentimentos supraindividuais de fraternidade, de caridade e de amor ilimitado pelo próximo. Somente pela abnegação e pelo sacrifício de si próprio, segundo o exemplo de Cristo crucificado, se pode encontrar a verdadeira salvação, a garantia da beatitude eterna, identificação mística com o p a garantia da beatitude eterna, a identificação mística com o próprio Cristo.” (1981, p.157)

 

No início do cristianismo, a salvação da alma individual era de enorme importância, pois “valia mais do que o mundo todo”. Para tanto, todos que aceitavam a Cristo como seu Salvador tinham direito eterno à salvação, incluindo os deficientes.

 

“A Boa Nova propunha-se a ela própria um ideal pedagógico preciso, a formação do homem novo e espiritual, membro do reino de Deus. Os Evangelhos continham também insuperáveis exemplos dos modos mais atinentes para conduzir uma obra educativa com esse objetivo, e eram modos adaptados aos simples, mas não menos cheios de sugestões profundas para os requintados e cultos. As parábolas, plenas de imagens de plástica evidência e ricas de significado simbólico, as comparações precisas e audaciosas, a força solene das admoestações, a linear simplicidade dos preceitos, tudo eram elementos de uma pedagogia nova, longe de todo o intelectualismo e de todo o artifício retórico.” (1981, p.159)

 

O ideal de um homem novo, com novos propósitos, novas convicções era a máxima da proclamação do Evangelho. A pedagogia do Mestre retrata de maneira simples que ao encontrarem com Cristo deveriam deixar hábitos antigos e se tornariam novas criaturas. Estampando assim, uma nova maneira de ver as pessoas marginalizadas da sociedade.

 

“Esta obra educativa (palavra de Deus), centrada diretamente sobre os Evangelhos, dirigia-se principalmente aos adultos e vinha sendo conduzida, antes que se tivesse constituído uma diferenciação entre clero e fiéis, por fiéis para isso escolhidos, a que se chamava simplesmente mestre (didáskaloi). Essa obra educativa precedia o ato do baptismo, que era a forma de iniciação cristã pela qual se passava a fazer parte da comunidade dos fiéis e se era admitido à cerimónia mais importante, a do ágape.” (p. 159)

 

A palavra que distinguia os cristãos no tempo de Jesus era o amor ÁGAPE. A lei dizia: “olho por olho, dente por dente”. A fé cristã dizia: “Amai seus inimigos”. Era algo nunca visto antes. A cada dia, mais e mais pessoas eram atraídas pelos cristãos, iniciando sua vida cristã (leprosos, malfeitores redimidos, cegos, paralíticos, endemoniados restaurados pelo encontro com o Mestre Jesus)

 

Pessotti relata que com o desabrochar do cristianismo (SILVA, 1987. p. 153) e de sua doutrina, a deficiência e a pessoa que a possui passa de “coisa” para uma pessoa. No entanto, não há reconhecimento legal.

 

“Graças à doutrina cristã os deficientes começam a escapar do abandono ou da “exposição”, uma vez que, donos de uma alma, tornam-se pessoas e filhos de Deus, como os demais seres humanos. É assim que passam a ser, ao longo da Idade Média, “les enfants du bon Dieu”, numa expressão que tanto implica a tolerância e a aceitação caritativa quanto encobre a omissão e o desencanto de quem delega à divindade a responsabilidade de prover e manter suas criaturas deficitárias. Como para a mulher e o escravo, o cristianismo modifica o status do deficiente que, desde os primeiros séculos da propagação do cristianismo na Europa, passa de coisa a pessoa. Mas a igualdade de status moral ou teológico não corresponderá, até a época do iluminismo, a uma igualdade civil, de direitos. Dotado de alma e beneficiado pela redenção de Cristo, o deficiente mental passa a ser acolhido caritativamente em conventos ou igrejas, onde ganha a sobrevivência, possivelmente em troca de pequenos serviços à instituição ou à pessoa “benemérita” que o abriga. (PESSOTTI, 1984. p. 04-05).

 

O reconhecimento do deficiente de “coisa” para pessoa humana tem um significado nunca antes percebido sendo acolhido, em abrigos e igreja podendo ter sua subsistência. Agora acolhido,mas ainda sem direitos legais.

 

No entanto, a luta para que as pessoas com necessidades especiais fossem reconhecidas como detentores de direitos e deveres passa por um longo caminho na história. Citaremos a seguir alguns marcos legais dessa luta histórica:

 

1. Declaração de Salamanca (Espanha)

 

“Após a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, de 1990, a exclusão social de pessoas portadoras de deficiências, causou uma grande agitação nos países da Europa e diante da necessidade de se reafirmar o direito de “Educação para todos”, em 10 de junho de 1994, representantes de 92 países e 25 organizações internacionais realizaram a Conferência Mundial de Educação, em Salamanca, na Espanha, organizada pelo governo espanhol e pela UNESCO, com destaque à Educação Integradora, que visava capacitar os professores e instituições educacionais e religiosas quanto a atenção das crianças, jovens e adultos com deficiências. (BRASIL, 1994). Essa conferência internacional resultou na criação da Declaração.

 

2. Constituição Federal de 1988

 

Fundamentado no paradigma da inclusão, nos direitos humanos e na articulação entre o direito à igualdade e à diferença os quais abriram caminhos para a transformação dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos.

 

3. Lei nº 8.069

 

De 13 de julho de 1990 Estatuto da Criança e do Adolescente Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública

 

Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

 

4. Estatuto da Pessoa com Deficiência encontramos:

 

Art. 27 determina “A educação constitui direito da pessoa com deficiência, seja inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem”. Parágrafo único: “É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação”.

 

O Estatuto da Pessoa com Deficiência enfatiza que a inclusão deve permear toda a sociedade. Devendo assegurar a aprendizagem de modo holístico, respeitando suas limitações e necessidades.

 

A Educação Cristã deve estar preparada para alinhar ao currículo religioso ao aprendizado da pessoa com inclusão. Propiciando uma formação continuada aos professores e líderes em geral. Sabendo que uma” alma vale mais que o mundo inteiro”, como tal, deve ser alcançada para o Mestre.

 

Serão necessárias diversas adaptações na Igreja:

 

1. Adaptações estruturais: mobiliário que se adeque aos cegos e baixa visão ou com mobilidade comprometida, rampas, banheiros.

 

2. Adaptações pedagógicas: livros em libras, faixas indicativas com libras e braile, materiais complementares para lições bíblicas, jogos, cartazes etc.

 

3. Adaptações curriculares: eixos temáticos que auxiliem os portadores de diversas deficiências, a Construção de Diretrizes de Inclusão para as Igrejas Batistas do séc. XXI, baseadas em grupos de estudo para esse fim.

 

4. Formação continuada local, regional, estadual e nacional, congressos, eventos que levem cursos de reconhecimento das diversas patologias, como ajudá-los e forma-los biblicamente.

 

Considerações finais

 

Temos um tesouro escondido, grandes líderes podem ser formados para a glória de Deus, mesmo com alguma deficiência. O trabalho da Educação Cristã para o séc.XXI requer educadores e teólogos que estejam aos pés do Mestre, buscando avidamente soluções inovadoras para que o evangelho seja pregado a tempo e fora de tempo. E que todos possam ouvir essa mensagem capaz de transformar a pessoa com deficiência outrora “coisa “ em grande benção para a glória de Deus.