O título desse artigo foi inspirado no livro “The Mission of Theology and Theology as Mission”, de J. Andrew Kirk, que nos traz dois aspectos importantes que a Teologia tem diante de si para cumprir
O primeiro aspecto é o papel, a missão, a finalidade que a Teologia deve cumprir ao ser desenvolvida pelos teólogos, estudiosos, exegetas. O segundo aspecto nos leva a compreender a Teologia como Missão, que a conecta a um espaço maior que é a história de Deus.
Assim, em primeiro lugar qual é a missão da Teologia? Para que ela existe? Não podemos confundir a Teologia com o academicismo. A Teologia deve ser construída, elaborada como resultado da busca em se compreender a Palavra de Deus. O trabalho teológico exige um acurado esforço na interpretação das Escrituras a partir não apenas dos textos originais da Bíblia (hebraico, aramaico e grego), mas também de sério e aprofundado estudo e compreensão do contexto histórico, cultural, religioso, social da época em que seus livros foram escritos, para que seu texto possa ser compreendido à luz daquele ambiente e transposto para nosso ambiente contextualizando com a manutenção dos sentidos originais. Há sério estudo avançado no campo da hermenêutica por equivalência funcional ou comunicacional que busca aprofundar a compreensão do texto dentro do sentido original inclusive do ambiente em que foi escrito para trazer esse mesmo significado essencial para os dias de hoje mantendo o valor original do sentido essencial das Escrituras de forma a ser contextualizado para qualquer região, povo, cultura e mesmo época.
Nesse sentido, é importante que estejamos atentos para a compreensão corrente na atualidade que um texto passa a ter sentido a partir do momento em que é lido e o leitor é que trará o significado real do texto independentemente do que foi escrito. Em parte essa abordagem tem traços na Filosofia da Linguagem e autores como Michel Foucault, Habermas, mas também, Jacques Derrida e outros são os impulsores dessa forma de compreender a realidade. Essa abordagem conduz ao desejo de desconstruir o texto bíblico e também é um dos motivos pelos quais hoje há pessoas que querem atualizar a Bíblia.
Todos somos pessoas de nosso tempo e por ele influenciados por pressupostos e condicionamentos. Sendo assim, o teólogo deve estar atento para compreender o seu tempo e como chegamos até aqui. Será importante estudar profundamente a história das ideias e a história da Filosofia para compreender essas entrelinhas para saber como desenvolver seu papel teológico de forma sábia, construtiva e bem conectada ao sentido da Palavra de Deus.
A compreensão do que está ocorrendo atualmente nos leva a entender quais são os pressupostos e condicionamentos que podemos notar na construção teológica hoje e na compreensão da vivência religiosa, que, no caso, partem da subjetivação da verdade, em que a própria verdade já não coincide com a realidade e nem pode ser conhecida e criticada (realismo crítico). Hoje, a verdade é subjetiva e depende do que cada pessoa-indivíduo pense ser verdade. Essa maneira de compreender a verdade, que no campo da Filosofia reside nos estudos epistemológicos, tem raízes no Iluminismo com a “descoberta” do indivíduo que deixa de ser uma pessoa com relacionamentos orgânicos conectados com sua herança histórica, vivência familiar e institucional e passa, por si só, sem qualquer conexão com o mundo objetivo, a decidir o que bem deseja inclusive a definir e metrificar quem é Deus e passa a ser o próprio legitimador de sua experiência com Deus.
Então, nesse primeiro papel temos a atuação da construção do pensar teológico para buscar nas Escrituras, no nosso caso cristão, a verdade plena de Deus para expor ao seu povo de forma clara a sua vontade trazendo-a para os dias atuais com o mesmo sentido e essência originais.
Além disso a missão da Teologia é dar segurança ao povo de Deus com respeito às suas verdades eternas desenhando com segurança e clareza as doutrinas bíblicas diante de um mundo caótico e recheado de secularização e ateísmo, em que o indivíduo é seu próprio deus e transforma o próprio Deus como se fosse um tipo de “personal guru” para resolver suas mazelas. Diante da incerteza e do caos religioso e doutrinário a Teologia tem papel fundamental.
Por isso mesmo, se torna necessário priorizar o trabalho e a atuação de teólogos e, da mesma forma, priorizar e valorizar a educação teológica e ministerial para além de seu papel instrumental e ministerial para que os egressos dos cursos saiam preparados para atuar com segurança diante de caos e dar segurança para seus liderados.
Mas temos o segundo aspecto, a Teologia como Missão e aqui o seu terreno de atuação é por demais importante e vai além do trabalho de produção acadêmica, pois a Teologia precisa ultrapassar esse espaço, que muitas vezes pode ser considerado etéreo, e avançar da literatura e abordagem abstrata e alcançar o chão da rua, da vida, da ética responsiva para os cristãos.
Nesse caso, a Teologia como Missão deverá estar conectada com a história de Deus que se lançou em resgatar toda a criação e criatura, que chamamos em termos gerais de missĭo Dei (missão de Deus). Nesse sentido será necessário que a Teologia compreenda a Bíblia como um todo e que a cada passo tudo está interligado com tudo dentro dessa matriz da missĭo Dei. É para se pensar aqui em uma hermenêutica missional como ferramenta para esse trabalho.
Em geral, a cultura contemporânea nos leva a que Deus viva a nossa história trazendo solução para nossos dilemas, mas nesta perspectiva é o inverso, nós é que temos diante de nós viver a história de Deus. Viram que aqui entra um nova palavra para dar suporte para esse cenário que é o adjetivo missional. Recentemente escrevi aqui nessa coluna 10 artigos sobre esse tema.
Aproveitando o missiólogo Ed Stetzer sobre ao assunto, vamos lembrar que o termo missional descreve uma vida moldada pela missão. Assim o termo “missional” é o uso adjetival da palavra missão. Nesse sentido, ele nos ensina que “se vivo uma vida missional, vivo uma vida moldada pela missão de Deus – e missão é uma palavra de origem latina centrada no conceito de ser enviado – […então ] viver de forma missional implica em propósito”.
Em outras palavras, eu posso concluir que, se vivo uma vida missional, vivo uma vida moldada pela missão de Deus (missĭo Dei). A partir de minha conversão o meu projeto de vida é agora o projeto da missĭo Dei e a Ele me entrego como sua ferramenta para que Ele, em Sua missão de restaurar toda criação e criatura, me tenha como Seu instrumento. Para ilustrar, vamos pensar em um tripé, em que se uma perna for retirada tudo desmorona. Vamos chamar de tripé da missĭo Dei: anunciar verbalmente + viver concreta e responsivamente + ser realmente expressando modelo de vida transformada e transformadora.
A aplicação prática de tudo isso coloca cada cristão na rua, no cotidiano, para expressar na vida pública a prática do Evangelho por meio de vida transformada pelas Boas Novas e torna a Igreja como a nova humanidade como um povo modelo, um povo de contraste, e cada cristão como vitrine e a tradução dessas mesmas Boas Novas. Temos aqui a dimensão missional que se expressa por meio da missão da proclamação e a missão da presença (veja os 10 artigos dessa coluna sobre isso).
Então a Teologia como Missão tem o papel de dar suporte ao cristão, tenha ele o dom de missionário, evangelista, pastoral ou qualquer outro dom de serviço. Seja qual for o seu dom, é lançado a viver a vida normalmente, só que agora seu projeto de vida é o projeto da missão de Deus, e sua vida será representada pela figura do sal, da luz, como embaixador do Reino.
Neste caso, a Teologia como Missão tem o papel de responder a cada cristão seu papel como agente da contracultura cristã diante e um mundo secularizado, sem Deus e sem coração (Romanos 12.1,2). A Teologia não pode mais ser produto de um gabinete de marfim e ficar refletindo sobre um plano celestial e estratosférico, pois precisará descer ao chão da vida concreta e discutir e descobrir respostas bíblicas a temas relevantes do cotidiano especialmente no campo da Ética e Bioética, mas também cultura contemporânea.
A Teologia como Missão tem diante de si levar os cristãos a desempenharem o seu papel no “mandato cultural” (Gênesis 1.26ss), resgatando seu papel como “nova criação” (II Coríntios 5.17) e terem vida atrativa demonstrando o agradável perfume de Deus (II Coríntios 2.15). Tem também como papel estimular o papel profético da igreja diante de um mundo cruel e injusto.
Muitas vezes nos colocamos no centro da Teologia focalizando apenas a nossa salvação, mas a Teologia como Missão nos leva a descobrir que o centro de tudo é Deus colocando a própria Teologia (Doutrina de Deus) como a teologia primeira e da qual parte o significado de tudo o mais. Ela nos leva a redescobrir Deus, mas também a Cosmologia, a Antropologia e uma Hamartiologia que nos leva para mais longe de apenas um desejo escatológico, pois toda a nossa vida decaída passa a ter significado no Deus todo Poderoso que envia Seu Filho para nos trazer de novo à vida (Soteriologia) e nos dá o Espirito Santo como nosso consolador (Pneumatologia). Tudo, então, fica conectado em tudo a partir do próprio Deus, da Trindade, que também tem seu ensino recuperado.
E, então, temos a missão da Teologia, mas, mais ainda importante a Teologia como Missão, a missão de Deus em recuperar toda criação e criatura. Amém.