Artigo

Narcisismo e autoestima

Em uma aula do mestrado, ouvi algo muito interessante de um professor. Ele disse: “Os conceitos precisam ser tratados com um certo pudor. Não se pode colocar em um conceito aquilo que não é inerente a ele.” Um conceito está diretamente associado a uma, e tão somente uma, situação. Popularmente falando: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. É dentro desse contexto que quero diferenciar o conceito de narcisismo do conceito de autoestima.

 

No livro “A expulsão do outro”, o filósofo Byung-Chul Han afirma que o narcisismo se diferencia do amor- -próprio pelo fato de que “o amor-próprio não exclui o amor pelo outro. O narcisista, em contrapartida, é cego frente ao outro” (2022, p. 40, Editora Vozes). O narcisista é extremamente autorreferente, vive sempre olhando para o próprio umbigo e se basta. Para o narcisista, o outro não passa de um ser desprezível, um objeto que ele usa para realçar seu próprio valor, sua própria beleza, sua própria inteligência e sua própria expertise.

 

É preciso estar muito atento às pessoas narcisistas, especialmente nas relações amorosas. Cito mais uma vez Byung-Chul Han, no mesmo livro mencionado, quando ele diz que “o sujeito narcisista percebe o mundo apenas como sombra de si mesmo. A consequência fatal: o outro desaparece.”

 

No curso “Mitologia e Psicanálise: uma Introdução” (disponível na plataforma “Casa do Saber”), o professor Pedro de Santi destaca que, etimologicamente, o termo “narciso” tem a mesma raiz que “narcose”, cujo sentido é o que vai apodrecendo. Na verdade, o que o sujeito narcisista não percebe é que a exaltação de sua imagem é o maior símbolo de seu empobrecimento emocional e de sua baixa autoestima. O que apodrece no narcisista, sem que ele se dê conta, é justamente sua autoestima, seu amor-próprio.

 

Contudo, existe uma questão importante a ser destacada: não é incomum que pessoas com uma boa autoestima e uma boa dose de amor- -próprio sejam vistas como narcisistas. Byung-Chul Han ressalta que “o narcisismo não é idêntico ao amor- -próprio, que não tem nada de patológico” (2022, p. 40, Editora Vozes). O sentimento de amor-próprio não tem nada a ver com narcisismo e não é sinal de pecado. Como diz o ditado popular: “não podemos confundir alhos com bugalhos”.

 

Jesus demonstrou a importância de termos uma boa autoestima e de nutrirmos o amor-próprio quando respondeu aos fariseus sobre qual era o maior de todos os mandamentos. Ele disse: “Ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de toda a sua mente. Este é o primeiro e o maior mandamento. O segundo é igualmente importante: ame o seu próximo como a si mesmo” (Mt 22.37,39). Se cada um só pode dar o que tem, como seria possível uma pessoa que não se ama amar o seu próximo?

 

O grande mal do narcisista não é o excesso de amor por si mesmo, mas sim a falta. Daí a necessidade que ele tem de ser percebido, destacado, apreciado, admirado e exaltado. Essa necessidade infernal faz com que o narcisista despreze o outro. Quem tem amor-próprio relaciona-se com o outro sem, contudo, se tornar refém dele.

 

Recorrendo à ajuda da inteligência artificial, solicitei ao ChatGPT que elaborasse uma frase que fizesse uma correlação entre narcisismo, autoestima e amor-próprio. A IA disse: “Na busca pela verdadeira autoestima, lembre-se: amar a si mesmo é um ato de coragem, enquanto o narcisismo é apenas um eco da insegurança.” Gostei! Tempos modernos!