Esta série de artigos buscou preencher uma lacuna em nosso meio, demonstrando a amplitude de nosso papel na história de Deus desde a criação e rebelião da humanidade. Talvez, para alguns leitores, tenhamos trazido uma abordagem diferente, com definições que ampliam a compreensão desse importante papel que nos é confiado por Deus. Neste artigo de conclusão, vamos reunir diversos conceitos que, muitas vezes, não são apresentados com precisão, o que pode prejudicar sua aplicação prática.
O valor desta série de artigos vai além da vida da Igreja, alcançando a formação teológica e ministerial, que tem o papel de formar futuros líderes para às Igrejas e para o Reino de Deus. Se esses líderes forem formados com imprecisões, levarão essas falhas para o exercício prático de sua liderança, impactando negativamente as Igrejas onde atuarem. Portanto, a educação teológica e ministerial é um componente estratégico nesse processo.
A expressão chave que utilizamos é DIMENSÃO MISSIONAL, que busca demonstrar nosso papel como colaboradores de Deus naquilo que se chama missĭo Dei, ou seja, a missão de Deus de restaurar toda a criação e criatura ao estado anterior à rebelião no Éden (Gênesis 3).
Neste processo, usamos diversas figuras ilustrativas, mas a principal é a de uma ferrovia clássica, composta por vários elementos: a base sobre a qual tudo se fundamenta, os dois trilhos, os dormentes que suportam os trilhos e a locomotiva.
A Igreja pode ser comparada à locomotiva, que segue rumo ao seu destino. Buscamos mostrar a Igreja como a nova humanidade que Deus criou para demonstrar ao mundo a vida planejada no Éden, da qual a humanidade foi afastada pela rebeldia de Adão e Eva. Assim, o mundo foi habitado por uma raça rebelde e distante dos propósitos do Criador. A nova humanidade representa uma comunidade modelo, uma vitrine dessa vida, convocada pelo Criador para ser Sua voz e representante em um mundo afastado de Deus.
O adjetivo “missional” é relativamente novo em nosso meio e foi utilizado pela primeira vez por Darrel Guder, em 1998, em seu livro colaborativo Missional Church: A Vision for the Sending of the Church in North America. Esse termo descreve, em geral, uma “vida moldada pela missão [...] Em outras palavras, viver uma vida missional é viver moldado pela missão de Deus” (Ed Stetzer). Assim, a partir de minha conversão, o meu projeto de vida é agora o projeto da missĭo Dei e eu me entrego como instrumento e ferramenta de Deus para que Ele em Sua missão de restaurar toda criação, inclusive o indivíduo, me tenha como seu instrumento.
Para ilustrar isso, usamos a imagem de um tripé, no qual todas as três pernas precisam estar ativas. A vida da Igreja e de cada cristão passa a ser: anunciar verbalmente + viver de forma concreta e responsiva, + ser alguém com uma vida transformada e transformadora, como sal e luz do mundo.
É desta forma que, em última análise, João 20.21 diz respeito a Deus enviar o Seu Filho e este nos enviar como Sua tradução e vitrine daquela vida perdida lá no Éden. Veja que isso vai além de apenas pensarmos em sustentar missionários lá longe no campo, que aliás precisam de sustento, mas também de suporte, oração, cuidado e apoio. Significa que onde estivermos, aí está a Igreja de Deus, a nova humanidade, aí deverá estar uma vida sendo modelo e exemplo daquele estado pré- -rebelião perdido.
Buscamos ampliar o conceito de “missionalidade” e mostrar como ele se aplica à vida da Igreja (a locomotiva), envolvendo aspectos diversos para que ela seja instrumento de Deus, o grande missionário, que Se enviou a Si mesmo para trazer de volta a criação e as criaturas ao estado original.
Como Christopher J. H. Wright afirma: “[…] não é tanto que Deus tenha uma missão para sua Igreja no mundo, mas que Deus tenha uma Igreja para sua missão no mundo. A missão não foi feita para a Igreja; a Igreja foi feita para a missão: a missão de Deus”. Esse é o destino da locomotiva.
A Igreja precisará ter um aspecto estrutural para lhe dar suporte para que cumpra esse papel e caminhe para seu destino. Assim, temos planejamento, estrutura, atividades, programas, eventos, que precisam ser considerados como meios e não com finalidade, de modo que a não viva para eles como se fossem sua essência existência que lhe dê razão e significado. Temos aqui então os dormentes da ferrovia.
O trem precisa andar sob os trilhos para que a viagem prossiga. Temos dois trilhos em nossa ferrovia. Um trilho nos leva a compreender que é a MISSÃO DA PROCLAMAÇÃO das Boas Novas, leva-las onde ainda não foram alcançadas. Aqui temos o trabalho que cada missionário, evangelista realizam, temos a plantação de novas Igrejas, de modo que possam ser saudáveis para continuar a viagem. Temos também a atuação de cada cristão como testemunha (Atos 1.8) das Boas Novas, afinal não é possível deixar de mencionar que éramos cegos e agora vemos (João 9.25), não é possível deixar de falar do que temos visto e ouvido (Atos 4.20). Todos somos chamados para cumprirmos a missão da proclamação.
Mas, um trilho somente não permite que a viagem continue, há necessidade do outro trilho, que é a MISSÃO DA PRESENÇA em que temos os cristãos na vida pública atuando como tradução/vitrine do reino de Deus, com uma atuação ética responsiva (que responde aos dilemas da vida por meio dos valores bíblicos), amizades, generosidade. Ser sal, luz, embaixadores do Reino de Deus. E isso envolve cada cristão, seja missionário, evangelista, pastor ou não.
Além desses dois trilhos, temos a base que dá sustentação à ferrovia e no caso de nossa ilustração é fundamento para a missão sobre o qual tudo é construído. É a história de Deus da qual a Igreja e nós fazemos parte. Temos aqui a visão de uma Igreja centralizada em Deus (God-centered church) e não em si mesma como se fosse um fim, mas como instrumento dEle. A missĭo Dei é o tema e núcleo unificador e centralizador que dá significado a tudo.
Assim temos a forma final da ilustração da ferrovia para que você possa perceber a IGREJA EM MISSÃO, como comunidade/povo de contraste, vitrine e tradução do Reino de Deus diante do mundo, vivendo a missĭo Dei.
Veja que essa maneira de explicar e conectar tudo como tudo amplia em muito a significação de nosso papel no mundo e na vida pública em que temos o desafio de proclamar as Boas Novas, mas, mais ainda, aliado a isso, viver intensamente essas mesmas Boas Novas que irão colocar a Igreja no mundo para ser ouvida.
Então podemos compreender que a Igreja, como nova humanidade, tem como papel essencial não apenas agregar mais gente para o trabalho interno, mas formar discípulos para atuarem no mundo e ganharem o direito de serem ouvidos, como médicos, advogados, professores, juízes, pedreiros, motoristas de aplicativos etc., para atuarem no mundo como sal e luz (Mateus 5.13ss), como embaixadores de Cristo que representem o Reino de Deus e seus valores como nova humanidade.