Artigo

“Trazendo sempre em nosso corpo o morrer de Jesus” (II Co 4.7-15)

Uma das coisas mais difíceis da vida é controlar os impulsos da carne e descentralizar a nossa vontade egoísta, avara e autocentrada. A natureza humana de Adão, a nossa natureza carnal, milita contra o Espírito para que não façamos a vontade de Deus. Fazer a nossa vontade é um traço muito forte da nossa carne e da nossa vida autocentrada. O nosso desejo carnal é sempre satisfazer as nossas necessidades, mesmo que comprometa princípios éticos e espirituais determinados pelo Senhor.

 

Jesus morreu naquela cruz e ressuscitou ao terceiro dia para que morrêssemos e ressuscitássemos com Ele em novidade de vida. Há uma batalha campal em nosso corpo, travada pela carne contra o Espírito. O apóstolo Paulo declara que “os que estão na carne não podem agradar a Deus” (Romanos 8.8). É verdade, pois quantas derrotas sofremos pelo fato de andarmos na carne e não no Espírito. Este mesmo Espírito deve controlar a nossa vida para que a carne não tenha domínio sobre nós, permitindo-nos viver uma vida que agrada a Deus. A vida que agrada a Deus é uma vida de fé nas insondáveis riquezas de Cristo. A vida vitoriosa é real quando trazemos em nossos corpos o morrer de Jesus para que a Sua vida se manifeste em nossa carne mortal (II Coríntios 4.10; João 12.24-26).

 

1) Trazendo sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, temos o tesouro em vasos de barro (v.7).

 

O tesouro - a glória de Deus na face de Cristo - está dentro de nós pela operação da obra de Cristo na cruz e na ressurreição (4.6). Que tesouro maravilhoso! Contudo, este tesouro está em vasos de barro. Nós somos esses vasos - desprezíveis, limitados, frágeis, defeituosos e falhos. Deus, contudo, nos escolheu em Cristo para que tivéssemos dentro de nós esta riqueza maravilhosa e incomparável. O profeta Isaías dá uma dimensão interessante a este conceito de barro ao dizer: “Mas agora, ó Senhor, tu és o nosso Pai, nós somos o barro, e tu, o nosso oleiro; e todos nós, obra das tuas mãos” (Is 64.8). Esta é a nossa condição. Aprouve Deus, por Sua graça, nos alcançar para que frutifiquemos para a Ele. Somos vasos de barro - vasos fracos - para que a excelência do poder seja de Deus e não nossa (II Coríntios 4.7). Paulo deixa claro que o poder pertence a Deus, não a qualquer líder dentro da Igreja (I Coríntios 1.12). A Igreja - o corpo vivo de Cristo - será sempre de Cristo. Somos apenas Seus membros, altamente dependentes dEle.

 

2) Trazendo sempre em nosso corpo o morrer de jesus, pois o sofrimento faz parte da vida cristã (vv.8-12).

 

Como vasos frágeis e limitados, nós sofremos. Somos identificados com Jesus em toda a Sua trajetória. Devemos sempre andar como Ele andou (I João 2.6). Jesus mesmo nos alertou que no mundo teríamos aflições, mas que deveríamos ter bom ânimo porque Ele venceu o mundo (João 16.33). Somos atribulados, perplexos diante das catástrofes da vida, perseguidos, abatidos, mas jamais angustiados, desanimados, desamparados ou destruídos (vv.8,9). Jesus sofreu em todo o Seu ministério – no Getsêmani, no julgamento, na via Crúcis e no calvário, mas estava sempre em conformidade com a vontade do Pai. No jardim do sofrimento, Ele orou ao Pai: “Meu Pai, se não é possível passar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade” (Mt 26.42). Jesus foi obediente até a morte e morte de cruz (Filipenses 2.5-11). Em Isaias 53, vemos uma prova do sofrimento do Senhor Jesus. Portanto, o sofrimento faz parte da vida. É tratamento de Deus para nós. Deus nos salva e nos trata para sermos semelhantes a Cristo (crístico). A nossa resposta precisa ser igual à de Cristo caracterizada pelo amor, pela submissão, mansidão e humildade. Dietrich Bonhoeffer afirmou: “Quando Deus chama um homem, ele o chama para vir e morrer”. Em 09 de abril de 1945, no campo de concentração de Flossenburg, Bonhoeffer foi chamado para fazer exatamente isso. Ele se recusou a ser resgatado para não arriscar a vida de outros. Assim, “seguiu resoluto em seu caminho para ser enforcado e morrer com calma e dignidade admiráveis”. O principal problema, diz Tozer, é que gostamos demais de nós mesmos (vivemos em um tempo de corpos sarados e almas doentes). Nós nos empenhamos para nos manter de cabeça erguida (cerviz dura). Whatchman Nee afirmou sabiamente que “entre o mundo velho e o mundo novo há um túmulo”.

 

3) Trazendo sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, vivendo uma vida de fé (vv.13,14).

 

O nosso morrer com Jesus a cada dia passa pela fé. Paulo ensina: “Eu cri; por isso, é que falei. Também nós cremos; por isso também falamos” (v.13). O morrer de Jesus em nosso corpo é uma questão de fé na Sua obra suficiente na cruz e na ressurreição. Essa era a compreensão do apóstolo Paulo: “Já estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2.20). A vida cristã é uma vida de fé. É a fé que agrada a Deus (Hebreus 11.6). Deus trata conosco pela via da fé. A palavra diz que “o justo viverá por fé” (Habacuque 2.4; Romanos 1.17). É pela fé em Cristo que devemos falar. Abraão viveu pela fé. Deus o chamou de Ur dos Caldeus (Iraque) para a terra prometida, alguém que “não sabia para onde ia, mas sabia com quem ia”. Quando Deus pediu Isaque para ser imolado, o velho Abraão cria que o mesmo Deus que ordenou é o Deus da ressurreição. Ele cria que iria e voltaria com o seu filho porque estava firmado pela fé na fidelidade de Deus. Ainda que sejamos infiéis, Ele permanece fiel, pois não pode negar-se a Si mesmo (II Timóteo 2.13).

 

4) Trazendo sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, experimentando a graça de Deus resultando em ações de graças (v.15).

 

Todos somos produto da manifestação da graça de Deus (Efésios 2.8-10). Receber a vida de Cristo pela obra do novo nascimento é obra da graça de Deus. Esta graça é suficiente e completa porque tem sua fonte no Senhor. O poder do Senhor se aperfeiçoa em nossa fraqueza (II Coríntios 12.9-10). A gratidão pela vida de Cristo em nós é fruto da manifestação da graça do Pai. A graça sempre produz gratidão e louvor. Jesus curou dez leprosos, mas apenas um voltou para agradecer. Por quê? Porque entendeu a graça de Deus. Somos gratos a Deus pela obra de Cristo em nós (crucificação, morte e ressurreição). A cada dia, com temor no coração, reconheçamos o incomparável amor de Deus em Cristo por nós, tão pecadores. Mas a nossa esperança é que Cristo é a nossa vida (Colossenses 1.27). Ele é o nosso contentamento. Que o nosso coração se encha de gratidão a cada dia pela iniciativa de Deus Pai em nos buscar e nos reconciliar com Ele por meio do Filho (II Coríntios 5.18-20). Há uma verdade que não podemos esquecer: “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à comunhão de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (I Co 1.9). Vivamos esta comunhão com o Senhor Jesus para que o mundo O veja em nós.

 

Este é o princípio: “não vivo mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gl 2.20). Como Jesus ensinou: “se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer dá muito fruto” (Jo 12.24). Jesus afirmou: “Se alguém quiser vir após mim negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16.24-27). Jim Elliot, um dos cinco missionários de Wheaton mortos pela tribo dos Aucas no Equador, disse: “Não é tolo aquele que renuncia ao que não pode reter para ganhar o que não pode perder”. Charles Albert Tindley (1851-1933) nos presenteia com um belíssimo poema intitulado “Nada entre a minha alma e o Salvador”:

 

Nada entre minha alma e o Salvador, Nada dos sonhos ilusórios deste mundo;

Renunciei a todo prazer pecaminoso;

Jesus é meu, não há impedimento algum.

Nada entre minha alma e o Salvador,

Para que sua face bendita possa ser vista;

Nada impedindo seu mínimo favor,

Mantenha-se aberto o caminho!

Que não haja impedimento algum.

 

Nenhum impedimento, como orgulho ou posição;

Vida pessoal ou amigos não hão de interferir;

Ainda que me possa custar grande tribulação.

Estou resolvido; não há impedimento algum.

 

Nenhum impedimento, ainda que muitas duras provações;

Ainda que o mundo inteiro contra mim se reúna;

Vigiando em oração e muita abnegação,

Trinfarei por fim, sem impedimento algum.