Artigo

O problema da Akrasia

A palavra “akrasia” vem do grego antigo e é composta por “a” (prefixo que significa “sem” ou “falta de”) e “kratos” (que significa “poder” ou “domínio”). Na filosofia, especialmente na ética, a akrasia é frequentemente traduzida como “falta de autocontrole” ou “fraqueza de vontade”. Esse conceito descreve a situação em que uma pessoa age contra seu próprio melhor julgamento ou deseja algo que sabe não ser o melhor para ela. Exemplos incluem ceder a tentações ou agir, mesmo estando ciente dos prejuízos que isso pode causar.

 

De certo modo, todos nós, em maior ou menor grau, enfrentamos o problema da akrasia, ou seja, a falta de domínio próprio e autocontrole. Quantas vezes, mesmo sabendo o que era certo, você fez o que era errado? O apóstolo Paulo expressou seu testemunho de akrasia ao dizer: “O que não entendo a meu respeito é que decido uma coisa e faço outra, sendo levado a fazer o que absolutamente desprezo. (...) Decido fazer o bem, mas de fato não o faço. Posso desejar, mas não posso fazer. Decido não fazer o mal, mas acabo fazendo, de um modo ou de outro. Minhas decisões não resultam em ações. Algo está muito errado no meu interior e sempre tira o melhor de mim. (...) Partes de mim se rebelam em segredo e, quando menos espero, assumem o controle. Já tentei de tudo, mas nada resolve. Já não aguento mais. ‘Não há ninguém que possa me ajudar?’” (Rm 7.16, 24 – Tradução da Bíblia Mensagem).

 

Penso que o problema da akrasia, da falta de controle, como bem demonstrado pelo apóstolo Paulo, está no “auto” controle. Ou seja, no domínio de si por si mesmo, pela via da razão. A razão não é suficientemente forte para controlar o desejo. Já reparou que quanto mais você luta contra um determinado pensamento ou sentimento a partir de máximas muito bem construídas, do tipo: “Eu não posso ter esse tipo de pensamento ou sentimento porque sou cristão”, mais fortes eles ficam dentro de você? No livro “O problema da dor” (Ed. Thomas Nelson Brasil, 2021, p. 119), C. S. Lewis diz: “Não somos apenas criaturas imperfeitas que devem ser aprimoradas; somos, como disse Newman, rebeldes que devem depor as armas”. Não adianta lutar sozinho contra os pensamentos e sentimentos. É preciso “depor as armas” e pedir ajuda.

 

O problema da akrasia, do autocontrole, é que por vezes acaba-se esbarrando na autossuficiência, a partir do seguinte pensamento: “Eu não vou abrir a minha vida com ninguém. Eu consigo dar conta desse problema sozinho”. É por essa via equivocada de pensamento que muitas pessoas acabam alimentando a culpa, como forma de reagir contra determinados pensamentos e sentimentos. A culpa é um sentimento importante. Se não fosse, viveríamos numa sociedade de psicopatas. Mas, alimentar a culpa como forma de conter um pensamento, um sentimento, é extremamente adoecedor.

 

Diante da impossibilidade de se autocontrolar, o apótolo Paulo abriu seu coração para a graça de Deus. No livro Culpa e Graça (Ed. ABU, 1985, p.133), Paul Tournier diz: “A graça é para os humildes, e não para os autossuficientes. Assim, um revés, uma derrota grave, o desabamento de um mundo majestoso pode ser o caminho necessário a um renascimento. Para cada um de nós, um fracasso pode se tornar a oportunidade de uma reviravolta sobre si mesmo e de um encontro pessoal com Deus”.

 

O segredo do autocontrole, da akrasia, reside no reconhecimento de que, por nós mesmos, não conseguimos nos controlar. Precisamos da ajuda de Deus e das pessoas que Ele usa para nos abençoar. Precisamos reconhecer que não somos tão potentes e fortes quanto imaginamos ou mostramos para os outros. Somos de barro. Reconhecer o “espinho na carne” e admitir que está doendo não é pecado; é uma virtude.

 

Quando se busca o autocontrole atavés da repressão dos sentimentos, emoções e até pensamentos, o corpo acaba manifestando seus gritos. No livro Quando a Alma Fala Através do Corpo: Compreender e Curar Distúrbios Psicossomáticos, Hans Morschitzky (Ed. Vozes, 2017, p. 95) observa que “uma em cada quatro pessoas procura o médico em função de queixas físicas que não possuem causa orgânica alguma ou insuficiente”.

 

A primeira aplicação prática da compreensão da akrasia é o desenvolvimento de uma maior autocompreensão. Reconhecer que o autocontrole não é apenas uma questão de força de vontade, mas que envolve tanto aspectos espirituais quanto psicológicos, pode ajudar na adoção de estratégias mais eficazes para lidar com comportamentos autodestrutivos.

 

Outro aspecto importante é reconhecer a integração entre o espiritual, o psíquico e o somático. A fé não pode ser confundida com uma varinha mágica que resolve todos os problemas. A fé não nega a realidade; ela é uma ferramenta que nos ajuda a reconhecer os problemsa sempre que necessário.

 

Por fim, a expressão saudável dos sentimentos é crucial. Em vez de reprimir emoções ou usar a culpa como uma forma de controle, é importante aprender a expressar e gerenciar sentimentos de maneira construtiva. É preciso falar sobre o que você está sentindo.