Artigo

O imperativo da felicidade

No ano de 2012, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 20 de março como o Dia Internacional da Felicidade. Isso foi feito com a intenção de demonstrar a importância da felicidade, condição precípua para o bem-estar, aspectos importantes na vida de todas as pessoas. Interessante que a criação do Dia Internacional da Felicidade coincida com a constatação do crescimento dos problemas ligados à saúde mental, como no caso da depressão.

 

Periódico da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre depressão, publicado no ano de 2017, apresenta uma análise que compreende o período de 2005 a 2015, sinalizando que no ano de 2015 a proporção global da população com depressão era de 4,4%. O que significa algo em torno de 322 milhões de pessoas sofrendo com depressão no mundo, o que representou para esse período analisado um crescimento de 18% dos casos de depressão. Será que existe alguma correlação entre esses dados da OMS e a instituição do Dia Internacional da Felicidade pela ONU?

 

Anualmente, a ONU publica o Relatório Mundial da Felicidade, que aponta os países com as pessoas mais felizes do mundo. Alguns fatores, dentre outros, são levados em consideração: renda per capita, segurança econômica, emprego, qualidade das relações sociais, apoio social, confiança no governo e em outras instituições, qualidade do ambiente natural, preocupações com a sustentabilidade, acesso a recursos naturais, sentimento de propósito na vida, liberdade para fazer escolhas, experiências positivas etc. Você sabia que o Brasil ocupa a 44ª posição no ranking dos países com as pessoas mais felizes do mundo? O que você acha disso?

 

Mas, o que é a felicidade? Será que ela existe? Se existe, você se considera uma pessoa feliz? O que a Bíblia diz sobre isso? O dicionário Aurélio define felicidade como: “Qualidade ou estado de ser feliz; ventura, contentamento; bom êxito, sucesso; Boa fortuna; dita, sorte”. Já o dicionário Houaiss define felicidade como “a qualidade ou estado de feliz; estado de uma consciência plenamente satisfeita; satisfação, contentamento, bem-estar”. Na Psicologia, “felicidade é uma emoção básica caracterizada por um estado emocional positivo, com sentimentos de bem-estar e de prazer, associados à percepção de sucesso e à compreensão coerente e lúcida do mundo” (“Felicidade, uma revisão”. Ferraz, Renata Barbosa et al., 2007)

 

Na Bíblia, felicidade é: contentamento. Ou seja, expressão de um sentimento que não ignora a realidade, mas não se prende a ela. Encontramos um exemplo claro disso na carta aos Filipenses, quando o apóstolo Paulo, mesmo preso em Roma, diz: “Já aprendi a estar contente, a despeito das circunstâncias”. Um detalhe importante que vale a pena ser destacado é que Paulo relaciona o contentamento como um sentimento que precisa ser aprendido. Ou seja, felicidade, contentamento, não é uma autoimposição. É um aprendizado.

 

Na introdução da declaração da constituição dos EUA, que tem apenas 237 anos (só uma observação sem muita importância para nós brasileiros), o presidente Thomas Jefferson escreveu: “Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade” (grifo nosso). O que Thomas Jefferson não imaginou é quantas pessoas hoje estariam esgotadas, frustradas, desanimadas, de tanto procurarem pela felicidade. Escrevi a palavra felicidade no site de busca do Google e apareceu a seguinte informação: “Aproximadamente 186.000.000 resultados (0,32 segundos)”.

 

Essa busca insana pela felicidade me fez lembrar a frase do filme “À procura da felicidade”, que diz: “Talvez a felicidade seja algo que só podemos perseguir e talvez nunca possamos realmente tê-la”. Acrescentaria: pelo menos do modo que ela tem sido apresentada, inclusive no ambiente cristão, onde algumas pessoas, inclusive líderes, falam da felicidade como se fosse um sentimento pleno, como se o céu fosse na terra. A mensagem apresentada de modo declarado ou de uma maneira subliminar é a seguinte: “Você crê em Deus? Então você tem que ser feliz, o tempo todo”. É o imperativo da felicidade distorcendo o sentido bíblico da fé e, infelizmente, adoecendo muitos crentes fiéis e sinceros.

 

Ailton Desidério

Pastor e psicólogo