Artigo

A singularidade das Escrituras

A Bíblia ocupa um lugar absolutamente único na história humana. Ela é, ao mesmo tempo, uma biblioteca histórica e literária e o testemunho normativo da revelação de Deus. 

 

O próprio Jesus nos ensina a olhar assim para a Bíblia. Em João 5.39, Ele afirma que as Escrituras dão testemunho dEle. No caminho de Emaús, começando por Moisés e por todos os profetas, Jesus explica aos discípulos o que a Seu respeito constava em todas as Escrituras. Ou seja: a Bíblia é um conjunto de livros humanos, escritos na história, mas que, juntos, apontam para o propósito redentor de Deus em Cristo. 

Por isso, falar da singularidade das Escrituras exige segurar duas verdades ao mesmo tempo: 

  1. A Bíblia como livro; 

  1. A Bíblia como Palavra de Deus. 

Essas duas dimensões não competem; elas se entrelaçam. É justamente aí que está a sua singularidade. 

1) A Bíblia como livro: uma biblioteca na história 

Considerar a Bíblia como livro não é reduzi-la a um produto cultural qualquer. É reconhecer o modo concreto pelo qual Deus escolheu falar na história. O Deus que cria dizendo “Haja…” em Gênesis 1 é o mesmo que registra Sua fala em textos humanos, em idiomas reais, em gêneros literários variados, em contextos históricos específicos. 

A Bíblia é uma biblioteca: 

  • Lei, profetas e escritos; 

  • Evangelhos, narrativa apostólica, cartas pastorais; 

  • E, por fim, o Apocalipse. 

Essa diversidade não fragmenta sua mensagem; pelo contrário, revela a riqueza da revelação divina. O mesmo Deus fala em narrativa e poesia, em sabedoria e profecia, em biografia teológica e exortação pastoral. 

Isso traz consequências: 

  • Academicamente, precisamos respeitar gêneros, autores e contextos; 

  • Pastoralmente, precisamos lembrar que Deus alcança pessoas diferentes por meios literários diferentes, sem perder a coerência do testemunho global acerca de Cristo. 

Além disso, a singularidade da Bíblia aparece na sua historicidade, transmissão e tradução. Ela nasce em comunidades reais, atravessa línguas, culturas e séculos, chega até nós por manuscritos, crítica textual e trabalho tradutório. Deus não age à margem da história, mas dentro dela. A Igreja não recebe uma voz secreta, privada; recebe um texto público, continuamente lido, testado e confessado como norma de fé e prática. 

2) A Bíblia como Palavra de Deus: origem divina, autoridade e eficácia 

Se, por um lado, a Bíblia é um livro humano, por outro, ela é mais que um livro: é Palavra de Deus escrita. Sua autoridade não vem do prestígio dos autores, mas do Deus que fala por meio deles. 

Paulo afirma: 

“Toda Escritura é inspirada por Deus e útil…” (II Tm 3.16-17) 

Ela é inspirada e útil: tem origem divina e finalidade salvífica – tornar-nos sábios para a salvação em Cristo e nos habilitar para toda boa obra. 

Pedro escreve que a profecia não nasce da vontade humana; homens falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo (II Pedro 1.21). Assim, a Escritura é, ao mesmo tempo: 

  • Palavra humana, situada no tempo e na cultura; 

  • Palavra divina, que revela a verdade de Deus de modo confiável e normativo. 

Por isso, a Bíblia tem autoridade e tem eficácia. Ela não apenas informa; ela realiza algo. O autor de Hebreus afirma que a Palavra de Deus é viva e eficaz, mais penetrante que espada de dois gumes, capaz de discernir pensamentos e intenções do coração (Hb 4.12). 

Aqui está sua singularidade espiritual: a Bíblia não só relata a história da salvação; ela produz fé, convicção, arrependimento e consolo. Ela é meio de graça: o mesmo Deus que inspirou ontem, continua agindo por meio dela hoje. 

3) O único livro plenamente humano e plenamente divino 

Chegamos ao ponto central: A Bíblia é o único livro na história que é, ao mesmo tempo, palavra humana e Palavra divina, sem confusão e sem separação. Isso gera algumas implicações preciosas: 

a) O Autor está presente quando abrimos o texto 

“Homens falaram, é verdade, mas falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo.” Quando você abre a Bíblia, o Autor está presente. Não é apenas um texto sobre Deus; é Deus falando hoje ao nosso coração. 

b) Reverência e método caminham juntos 

Por ser Palavra divina e humana, interpretá-la exige reverência e método: 

  • Reverência, porque lidamos com Palavra do Senhor; 

  • Método, porque lidamos com um texto histórico e literário. 

Não podemos tratar a Bíblia nem como objeto frio de pesquisa, nem como amuleto desconectado da razão. Fé e inteligência caminham juntas, porque é a mesma Escritura que nos torna sábios para a salvação. 

c) Comunicação fiel: “assim diz o Senhor” 

Se Deus se comprometeu com a forma escrita da revelação, toda comunicação cristã responsável deve nascer da Escritura e voltar à Escritura. Em Atos, a Palavra anunciada é explicada a partir das Escrituras: Pedro interpreta Pentecostes citando Joel; Jesus responde à tentação dizendo “está escrito”. 

Isso nos protege de subjetivismos: não vivemos do “eu acho”, “eu sinto”, mas do “assim diz o Senhor” fundamentado no texto bíblico. 

d) Palavra que corta para curar 

Hebreus diz que a Palavra discerne, corta, expõe. Mas é um corte terapêutico: expõe para restaurar, humilha para levantar, confronta para reconciliar o ser humano com Deus. O mesmo texto que julga é o texto que consola, cura, dá esperança e perseverança. 

Quem acompanha outros (no ensino, aconselhamento, discipulado ou amizade) precisa confiar: não é a nossa habilidade que transforma; é Deus agindo pela sua Palavra. 

e) Palavra antiga, sempre atual 

A dimensão divina-humana da Bíblia permite que uma palavra escrita há milênios soe como palavra de hoje. Quantas vezes abrimos a Bíblia e parece que ela está comentando o noticiário do dia? Os autores já morreram, mas a Palavra continua viva, e o Deus vivo continua salvando por meio dessa Palavra. 

Em tempos de crise, não precisamos inventar outra âncora. Podemos – e devemos – voltar ao Livro. 

Ações práticas para o Dia da Bíblia 

Momento “Bíblia Aberta” 

  • Separe um tempo no culto em que a única “pregação” será ler a Bíblia em voz alta. 

  • Explique à igreja: “Mesmo se não tivéssemos sermão hoje, a simples leitura da Palavra já seria Deus falando conosco.” 

Ensino sobre a singularidade das Escrituras 

  • Realize uma aula ou oficina breve explicando essas duas dimensões: 

 

  • Bíblia como livro: biblioteca, gêneros, história; 

  • Bíblia como Palavra de Deus: inspiração, autoridade, eficácia. 

  • Ajude o povo a entender como ler diferentes gêneros (salmo, carta, narrativa, profecia).