Artigo

Vacas sagradas da liderança

O título deste artigo foi inspirado em uma expressão encontrada no livro Liderança no Divã, escrito pelo psicólogo Ricardo Chaves — leitura que recomendo fortemente. Segundo o autor, existem cinco “vacas sagradas da liderança” que precisam ser removidas da vida de todo líder. São elas: a vaca sagrada do reconhecimento, do controle, do poder, da ascensão e da perfeição.

 

Mas por que “vacas sagradas”? Chaves conta que ouviu de um amigo, ex- missionário na Índia, que, na cultura indiana, a vaca é considerada um animal tão sagrado que, se ela parar no meio de uma avenida, todos os carros devem simplesmente esperar até que o animal decida sair. Ninguém, por mais apressado que esteja, pode ousar tocá-la ou tentar afastá-la. Cada cultura tem seus costumes e peculiaridades. Portanto, se um dia você visitar a Índia e uma vaca bloquear o seu caminho, não ouse espantá-la. Espere.

 

De forma metafórica, as “vacas sagradas da liderança” representam obstáculos subjetivos e emocionais que impedem e que precisam ser retirados, vencidos, superados, para que o exercício da liderança aconteça de modo saudável, tanto para o líder quanto para a instituição. Vejamos brevemente cada uma delas.

 

1. A vaca sagrada do reconhecimento

Todo líder deseja reconhecimento. No entanto, como afirma Chaves, “o reconhecimento é um vício psicológico que acaba exigindo dos líderes cada vez mais dedicação para que ele seja saciado” (2022, p. 47, Ed. DVS). A busca incessante por aprovação revela, muitas vezes, uma baixa autoestima disfarçada de zelo. O problema é que ninguém — nem mesmo Jesus — conseguiu agradar a todos, e Ele nunca tentou fazê-lo. Perguntaram a um artista famoso qual o segredo do sucesso, e ele respondeu: “O segredo do sucesso eu não sei, mas o do fracasso eu sei: tente agradar a todo mundo.

 

2. A vaca sagrada do controle

De acordo com Chaves, “líderes governados pela vaca sagrada do controle tendem a sofrer com ansiedade e burnout, dificilmente conseguem desfrutar de feriados e férias, comprometendo outras áreas e relações de suas vidas” (op. cit., p. 48). A necessidade de controle está associada à insegurança emocional. Uma pesquisa intitulada The State of Pastors revelou que três em cada quatro pastores conhecem pelo menos um colega cujo ministério terminou por esgotamento — um índice de 76%. Isso mostra como o controle excessivo sufoca a alma e mina a confiança nos outros e em Deus.

 

3. A vaca sagrada do poder

Trata-se de uma liderança baseada na coerção e no medo. A máxima de quem se curva diante dessa vaca é: “É melhor ser temido do que amado.” Esses líderes acreditam que as pessoas são ingratas, volúveis e interesseiras e, por isso, tentam se proteger impondo autoridade. No fundo, o poder, nesse caso, é uma armadura para esconder o medo e a insegurança do líder.

 

4. A vaca sagrada da ascensão

Aqui temos a liderança movida pelo narcisismo — o líder vê o outro não como colaborador, mas como instrumento para alcançar projeção pessoal. Chaves observa que líderes assim “desenvolvem relacionamentos interesseiros, com baixa conexão emocional” (op. cit., p. 52). O resultado é a desumanização das relações. Crescer não é errado; o problema é quando o crescimento se torna um fim em si mesmo e as pessoas viram degraus.

 

5. A vaca sagrada da perfeição Talvez, a mais comum de todas. Essa vaca é reforçada socialmente: “Veja como ele faz tudo certinho!” Mas a busca obsessiva pela perfeição cobra um preço alto — espiritual, emocional e físico. E, convenhamos, nada é mais desgastante do que conviver com alguém que se julga perfeito. Cabe aqui a exortação do livro de Eclesiastes, que diz: “Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?” (Ec 7:16).

 

Chaves afirma: “Todo perfeccionista quer esconder sua baixa tolerância à frustração. O perfeccionismo, na verdade, é governado pelo medo das críticas, pelo medo da frustração e pelo medo de errar” (op. cit., p. 53).

 

Como líderes, precisamos reconhecer que muitas dessas “vacas sagradas” se instalam silenciosamente em nossos corações. Elas se disfarçam de virtude, mas o fim delas é o aprisionamento. A verdadeira liderança nasce da liberdade interior: liberdade para errar e aprender, para reconhecer limites, para valorizar pessoas acima de resultados. Quando nos libertamos dessas vacas sagradas, abrimos espaço para uma liderança mais leve, humana e espiritual — uma liderança que não se curva ao orgulho, mas se inclina para servir.

 

Pr. Ailton Desidério

 

 

 
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