Artigo

A Banalização do Luto: um chamado à reflexão

Certa vez, ainda criança, ao folhear fotografias antigas de família, vi uma imagem de meu pai com uma fita preta amarrada sobre a manga da camisa. Curioso, perguntei o que aquilo significava. Ele me explicou que a foto fora tirada em um período de luto pela morte de um de seus irmãos.

 

Anos mais tarde, aos 13 anos, outra experiência marcante envolvendo meu pai solidificou essa lição. Após o sepultamento de um parente distante, cheguei em casa e liguei a televisão. Meu pai, José Bifano, com a gentileza que lhe era peculiar, pediu-me para desligar o aparelho, em respeito à família enlutada.

 

Recentemente, ao ler a Bíblia, deparei-me com o que está escrito em Deuteronômio 34.8: “Ali, nas planícies de Moabe, os israelitas choraram a morte de Moisés trinta dias, até terminar o tempo de luto.” Essa passagem ecoa a importância de um tempo dedicado a dor e à memória.

 

Atualmente, ainda é possível ver o símbolo da fita preta. Lembro-me de ter observado, por exemplo, no último campeonato mundial de clubes, atletas usando o adereço em sinal de respeito e reverência à memória de Diogo Jota. Contudo, esse nobre comportamento parece cada vez mais raro no dia a dia.

 

Fiquei particularmente perplexo quando, no dia do falecimento de um dos membros de um grupo de WhatsApp, as conversas sobre futebol, memes e política continuaram normalmente, como se nada tivesse acontecido.

 

Não defendo que voltemos a usar a fita preta sobre a camisa como símbolo de luto. No entanto, ignorar completamente a dor da perda é algo que demanda uma profunda reflexão.

 

Vivemos em uma sociedade individualista e apressada, que parece nos empurrar para comportamentos frios, distantes e de negação da dor. Há uma indiferença crescente em relação ao processo de luto.

 

Recordo-me de um episódio chocante quando eu era capelão do Colégio Batista Shepard, no Rio de Janeiro. Um aluno faleceu de madrugada, em casa, devido a uma crise de asma. Às 10 horas daquele mesmo dia, a criança já estava sendo sepultada. Os pais não tiveram tempo sequer de chorar a morte, de se despedir de forma saudável de seu filho.

 

Aprender a viver o luto de maneira adequada deve começar na família. É no seio familiar que aprendemos a sentir a dor da ausência. Um processo de luto na família é, sim, tempo de chorar, como fez o povo nas planícies de Moabe. Frases como “não chore” ou “seja forte” não são aconselháveis, pois negam a expressão legítima da dor.

 

É fundamental dar espaço para falar da pessoa que se foi, contar suas histórias, relembrar os momentos felizes vividos. O luto não tem prazo. É um processo único para cada indivíduo e não segue um cronograma predefinido. Algumas pessoas precisarão de mais tempo, outras processarão de maneira diferente. O povo de Israel precisou de 30 dias para lamentar Moisés; outros podem precisar de muito mais.

 

O período de luto, embora doloroso, pode ser um tempo de crescimento e fortalecimento para todos os envolvidos. Nesse cenário de profundas mudanças comportamentais, não podemos permitir que a indiferença e a negação da dor se instalem em nossos relacionamentos, começando por aqueles que cultivamos em nossa própria família.

 

Gilson Bifano

 
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