O que você diria se descobrisse que um missionário enviado pela sua Igreja, ou alguém próximo a você, sofre de depressão? Você se sentiria decepcionado? Questionaria a espiritualidade dele? A realidade é que os missionários são humanos e enfrentam batalhas espirituais, perdas, decepções, traições, fracassos e pecados pessoais, como qualquer outro ser humano.
No filme “Terra Selvagem”, que conta a história de Jim Elliot, há uma cena que me chama a atenção quando penso no tema deste artigo. Trata-se de uma festa na casa de Jim. Em certo trecho, as pessoas estão alegres, celebrando, famílias reunidas em um momento de descontração - provavelmente também compartilhando desafios e dores já enfrentados. Nada parecido com uma reunião dos Vingadores ou da Liga da Justiça.
Essa cena me marca porque, confesso, durante muito tempo considerei os missionários como um tipo diferente de cristãos, quase “super-heróis”. Imaginava que eram os “super” cristãos: sempre sorrindo, amando a Deus sem dúvidas ou questionamentos, lidando com inúmeras responsabilidades sem nunca sentir o peso das dificuldades da vida ou do campo missionário. Infelizmente, no imaginário comum do evangélico brasileiro, os missionários muitas vezes são vistos dessa forma. Mas a verdade é que existe uma realidade silenciosa, invisível, que passa despercebida por nós e que precisa ser reconhecida.
Abner Morilha (2019), em sua tese de doutorado, realizou uma pesquisa para investigar a presença de transtornos emocionais em missionários que atuam em contextos transculturais. Participaram 327 missionários, que responderam testes e escalas sobre estresse, depressão, ansiedade e outros fatores. Os resultados mostraram que esses missionários são fortes candidatos ao desenvolvimento de transtornos mentais comuns, como ansiedade, estresse e depressão. A pesquisa apontou uma prevalência de ansiedade moderada ou grave em 35,5% dos missionários entrevistados.
Dizer “sim” ao chamado e assumir uma vida de sacrifício, distante de amigos e familiares, com o tempo pode levar alguém a viver traumas e perdas contínuas — ainda que seja um privilégio passar por tudo isso por amor a Cristo. O que antes era normal deixa de estar presente. Por isso, esses dados são importantes: eles nos alertam para uma realidade invisível aos olhos de muitos de nós enquanto igreja e nos levam a refletir. Como, então, podemos ajudar missionários a lidar com dificuldades relacionadas à saúde mental e emocional que podem surgir durante seu tempo no campo?
Algumas formas simples e práticas incluem: manter contato frequente com o missionário; orar por seus pedidos; ler suas cartas ou notícias compartilhadas nas redes sociais e demonstrar que realmente as lemos; fazê-los saber que têm em nós alguém de confiança para serem vulneráveis; visitá-los quando possível; formar pequenos grupos de apoio para “adotar” um missionário; estar atentos a sinais de desgaste mental e emocional; e ser intencionais em demonstrar cuidado.
Que possamos, diante disso, reconhecer a humanidade por trás da missão. Esse reconhecimento não enfraquece a vocação do missionário, mas fortalece a qualidade do serviço prestado e preserva a dignidade daqueles que se dedicam a servir. Em vez de nos surpreendermos quando um missionário enfrenta problemas de saúde mental, que estejamos preparados para apoiá-lo.
Somos o corpo de Cristo, não unidades individuais. Cuidemos de cada membro do corpo, concedendo graça e proporcionando um espaço seguro para uma vida transparente e honesta. Investir no cuidado da saúde mental de nossos missionários é dever de toda igreja, bem como de todo crente em Jesus que deseja ter um impacto duradouro naquilo que Deus está fazendo no Brasil e entre as nações.
Rodrigo Rodrigues