Artigo

Neurociência e ética – um ponto de partida para compreender melhor o ser humano

Hoje, vamos nos ocupar com uma ligação muito importante entre a Neurociência e o campo da Ética, fazendo depois conexões com fatos bíblicos. Vamos considerar algumas descobertas realizadas em laboratório e apresentadas por meio de duas fontes científicas reconhecidas mediante a utilização de equipamentos de neuroimagens.

 

Em primeiro lugar vamos mencionar descobertas descritas no livro “The Honest Truth About Dishonesty: How We Lie to Everyone - Especially Ourselves”, publicado em português sob o título “A Mais Pura Verdade Sobre a Desonestidade”, escrito por Dan Ariely e transformado no documentário científico com o título “(Dis)honesty: the truth about lies” [“(Des)honestidade: a verdade sobre mentiras”].

 

Dan Ariely, de origem israelense, é professor norte-americano de Psicologia e Economia Comportamental. Este material foi resultado de pesquisas que Ariely realizou com sua equipe no “Institute for Advanced Study”. O grupo concluiu que há uma resposta muito intensa nas regiões cerebrais onde se processam as emoções, especialmente envolvendo a ínsula, que faz parte da estrutura cerebral participando do sistema límbico, e a amígdala cerebral (não confundir com as amigdalas que estão na região da garganta), que é pequena estrutura do sistema nervoso em forma de amêndoa que, entre outras funções, processa emoções como o medo e a ansiedade. A pesquisa descobriu que quando a pessoa atua de forma desonesta há uma resposta destes dois componentes cerebrais podendo provocar certo desconforto para ela. Foi constatado que depois de uma certa quantidade repetida de vezes mantando-se a mesma atitude, estes componentes cerebrais já não reagem da mesma forma de modo a não causar o desconforto. A equipe de pesquisadores concluiu que essa diminuição de resposta do cérebro é como se houvesse uma adaptação a ponto de não mais incomodar a pessoa, como ocorre quando aos poucos vamos aumentando o volume de uma música e nosso ouvido/cérebro vai se acostumando.

 

O mesmo se dá com a honestidade, dizem os pesquisadores, à medida que a pessoa vai repetindo a mentira, estas partes do cérebro não vão mais reagindo e a prática desonesta acaba se tornando normal para a pessoa. Descobriram também que isso não depende do tipo ou origem da pessoa, alcançando todo ser humano.

 

Pesquisa semelhante foi realizada na University College London, no Reino Unido, dando origem a um importante artigo científico “The brain adapts to dishonesty” [“O cérebro se adapta à desonestidade], publicado na revista “Nature Neuroscience”, escrito por Neil Garrett, Stephanie C. Lazzaro, Dan Ariely, e Tali Sharot, neste caso focalizando mais a amígdala cerebral.

 

Neste nosso ensaio, podemos fazer algumas inferências ao relacionar estas descobertas com fatos relatados na Bíblia, tais como:

 

• Em Romanos 2.15 temos o ensino de que temos “a norma da lei gravada” em nosso coração (na Medicina de hoje representaria o cérebro). As reações destas duas partes do cérebro podem estar funcionando como que um “gatilho” que Deus colocou em nosso órgão de comando para indicar quando algo está sendo feito distante do que a Bíblia chama de “justiça” (no grego “retidão”), que seria representada pelos valores éticos bíblicos. Temos aqui o que geralmente chamamos de consciência, que aliás, também é mencionada por Paulo neste mesmo texto ensinando que “testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defendendo-se”. “Sequestrando” um termo de Carl Gustav Jung, teríamos aqui como que uma estrutura “arquetípica” biológica que Deus implantou em nossa natureza e estrutura cerebral para nos indicar o caminho da retidão.

 

• O que podemos deduzir também é que essa lei gravada em nosso cérebro não é apenas em termos verbais e proposicionais, como geralmente se pensa, mas também em estrutura neuronais e reativas em termos bioquímicos e bioelétricos, aprofundando ainda mais nossa compreensão sobre a majestosa arte de Deus na criação do ser humano;

 

• Mas também o próprio apóstolo Paulo fala em consciência fraca (I Coríntios 8.12) e cauterizada (I Timóteo 4.2), coincidindo com as descobertas da redução da reação destas partes do cérebro com a repetição de atos ilícitos. Daqui podemos deduzir que quando ele fala em boa/limpa consciência (I Timóteo 1.5,19; II Timóteo 1.3) ou consciência limpa (I Timóteo 3.9), está falando de alguém que atua de forma a seguir os ideais da justiça/retidão ética, de modo que podemos ir mais a fundo na concepção hamartiológica (parte da Teologia que estuda a doutrina do pecado), dando indicativos de que essa limpeza de consciência não afeta apenas nossa constituição espiritual, mas segue integrada às próprias emoções, reações mentais e físicas. Vejam mais uma vez a profundidade que temos na criação divina e em sua relação com nosso posicionamento face aos valores bíblicos.

 

• Em Tito 1.15 temos mais ainda o aprofundamento de tudo isto quando Paulo nos ensina que “Todas as coisas são puras para os puros; todavia, para os impuros e descrentes, nada é puro. Porque tanto a mente como a consciência deles estão corrompidas”.

 

• Mais ainda, desde que as pesquisas indicaram que essas reações são aplicáveis a todo ser humano, podemos aqui aprender sobre a degradação geral da raça humana. No campo da Ética Cristã, temos incluído nos estudos das decisões que o ser humano é ontologicamente portador de natureza ou impulsividade que se distancia da ordem natural das coisas criadas conforme o plano original do Criador. Sobre isso veja Gênesis 3 e Romanos 7.

 

• Temos ainda o texto de Jeremias 17.9: “Enganoso é o coração (mente), mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrompido; quem o conhecerá?”. Por isso é que Paulo nos ensina a necessidade da renovação da mente (Romanos 12.2), como recurso para a inserção de princípios éticos bíblicos de modo a promover ação preventiva, mas também de conteúdo ético referencial para nossas decisões.

 

• E esse princípio em Romanos 12.2, sobre a renovação da mente, nos leva a considerar descobertas da Neurociência demonstrando a memória de longa duração (que em geral ficam retidas em regiões profundas da memória e que precisamos descobrir novos mindsets, promover reprocessamento na maneira de “encarar” a realidade).

 

• Mais ainda, o apóstolo Paulo menciona em Filipenses 4.8 a necessidade de nutrirmos pensamentos saudáveis, positivamente funcionais (“tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o seu pensamento”). Tanto a Neurociência, como as ciências da saúde mental e do comportamento já demonstraram que quando vivemos processando pensamentos disfuncionais nossa saúde mental e emocional, mas também podemos dizer, espiritual, acabam deixando de ser saudáveis.

 

Como a Neurociência é um campo de pesquisa ainda nova, será necessário mencionar, é claro, que estas conclusões são provisórias para sua reflexão, mas já nos dão um caminho para compreendermos mais profundamente a criação do ser humano e seu afastamento do Plano da Criação.